Ninguém me habita
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Posted:Apr 8, 2008 8:17 pm
Last Updated:Jan 28, 2009 10:29 pm 3875 Views
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Ninguém me habita. A não ser o milagre da matéria que me faz capaz de amar, e o mistério da memória que urde o tempo em meus neurônios, para que eu, vivendo agora, possa me rever no outrora. Ninguém me habita. Sozinho resvalo pelos declives onde me esperam, me chamam (meu ser me diz se as atendo) feiúras que me fascinam, belezas que me endoidecem.
Thiago de Mello
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Sugestão
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Posted:Apr 8, 2008 7:58 pm
Last Updated:Apr 16, 2008 2:02 pm 3639 Views
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Antes que venham ventos e te levem do peito o amor — este tão belo amor, que deu grandeza e graça à tua vida —, faze dele, agora, enquanto é tempo, uma cidade eterna — e nela habita.
Uma cidade, sim. Edificada nas nuvens, não — no chão por onde vais, e alicerçada, fundo, nos teus dias, de jeito assim que dentro dela caiba o mundo inteiro: as árvores, as crianças, o mar e o sol, a noite e os passarinhos, e sobretudo caibas tu, inteiro: o que te suja, o que te transfigura, teus pecados mortais, tuas bravuras, tudo afinal o que te faz viver e mais o tudo que, vivendo, fazes.
Ventos do mundo sopram; quando sopram, ai, vão varrendo, vão, vão carregando e desfazendo tudo o que de humano existe erguido e porventura grande, mas frágil, mas finito como as dores, porque ainda não ficando — qual bandeira feita de sangue, sonho, barro e cântico — no próprio coração da eternidade. Pois de cântico e barro, sonho e sangue, faze de teu amor uma cidade, agora, enquanto é tempo.
Uma cidade onde possas cantar quando o teu peito parecer, a ti mesmo, ermo de cânticos; onde posssas brincar sempre que as praças que percorrias, dono de inocências, já se mostrarem murchas, de gangorras recobertas de musgo, ou quando as relvas da vida, outrora suaves a teus pés, brandas e verdes já não se vergarem à brisa das manhãs.
Uma cidade onde possas achar, rútila e doce, a aurora que na treva dissipaste; onde possas andar como uma criança indiferente a rumos: os caminhos, gêmeos todos ali, te levarão a uma aventura só — macia, mansa — e hás de ser sempre um homem caminhando ao encontro da amada, a já bem-vinda mas, porque amada, segue a cada instante chegando — como noiva para as bodas.
Dono do amor, és servo. Pois é dele que o teu destino flui, doce de mando: A menos que este amor, conquanto grande, seja incompleto. Falte-lhe talvez um espaço, em teu chão, para cravar os fundos alicerces da cidade.
Ai de um amor assim, vergado ao vÃnculo de tão amargo fado: o de albatroz nascido para inaugurar caminhos no campo azul do céu e que, entretanto, no momento de alçar-se para a viagem, descobre, com terror, que não tem asas.
Ai de um pássaro assim, tão malfadado a dissipar no campo exÃguo e escuro onde residem répteis: o que trouxe no bico e na alma — para dar ao céu.
É tempo. Faze tua cidade eterna, e nela habita: antes que venham ventos, e te levem do peito o amor — este tão belo amor que dá grandeza e graça à tua vida.
Thiago de Mello
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Sozinho
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Posted:Apr 7, 2008 3:02 pm
Last Updated:Jan 28, 2009 10:29 pm 3303 Views
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Às vezes no silêncio da noite Eu fico imaginando nós dois Eu fico ali sonhando acordado juntando O antes o agora e o depois Por que você me deixa tão solto? Por que você não cola em mim? Tô me sentindo muito sozinho Não sou nem quero ser o seu dono É que um carinho às vezes cai bem Eu tenho os meus desejos e planos secretos Só abro pra você mais ninguém Porque você me esquece e some E se eu me interessar por alguém E se ela de repente me ganha Quando a gente gosta é claro que a gente cuida Fala que me ama só que é da boca pra fora Ou você me engana ou não está madura eieie Onde está você agora? Aqui!
Caetano Veloso
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Posted:Apr 5, 2008 7:40 am
Last Updated:May 15, 2024 10:21 am 3236 Views
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E quando nós saÃmos era a Lua, Era o vento caÃdo e o amor sereno Azul e cinza-azul anoitecendo A tarde ruiva das amendoeiras.
E respiramos, livres das ardências Do sol, que nos levara à sombra cauta Tangidos pelo canto das cigarras Dentro e fora de nós exasperadas.
Andamos em silêncio pela praia. Nos corpos leves e lavados ia O sentimento do prazer cumprido.
Se mágoa me ficou na despedida Não fez mal que ficasse, nem doesse - Era bem doce, perto das antigas.
Rubem Braga
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Posted:Mar 27, 2008 8:44 pm
Last Updated:Jun 20, 2008 9:51 am 5018 Views
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De tudo, ficaram três coisas: A certeza de que estamos sempre começando... A certeza de que precisamos continuar... A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar...
Portanto, devemos: Fazer da interrupção, um caminho novo... Da queda, um passo de dança... Do medo, uma escada... Do sonho, uma ponte... Da procura, um encontro...
Fernando Pessoa
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O Anjo da Escada
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Posted:Mar 26, 2008 11:38 pm
Last Updated:May 15, 2024 10:21 am 3223 Views
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Na volta da escada Na volta escura da escada. O Anjo disse o meu nome. E o meu nome varou de lado a lado o meu peito. E vinha um rumor distante de vozes clamando clamando...
Deixa-me! Que tenho a ver com as tuas naus perdidas? Deixa-me sozinho com os meus pássaros... com os meus caminhos... com as minhas nuvens...
Mário Quintana
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Luto por mim mesmo
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Posted:Mar 25, 2008 9:16 pm
Last Updated:Oct 6, 2009 8:59 am 3436 Views
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a luz se põe
em cada átomo do universo
noite absoluta
desse mal a gente adoece
como se cada átomo doesse
como se fosse esta a última luta
o estilo desta dor
é clássico
dói nos lugares certos
sem deixar rastos
dói longe dói perto
sem deixar restos
dói nos himalaias, nos interstÃcios
e nos paÃses baixos
uma dor que goza
como se doer fosse poesia
já que tudo mais é prosa
Paulo Leminski
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É preciso não esquecer nada
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Posted:Mar 17, 2008 9:45 pm
Last Updated:Mar 14, 2011 5:13 am 4973 Views
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É preciso não esquecer nada: nem a torneira aberta nem o fogo aceso, nem o sorriso para os infelizes nem a oração de cada instante. É preciso não esquecer de ver a nova borboleta nem o céu de sempre. O que é preciso é esquecer o nosso rosto, o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso. O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos, a idéia de recompensa e de glória. O que é preciso é ser como se já não fôssemos, vigiados pelos próprios olhos severos conosco, pois o resto não nos pertence.
CecÃlia Meireles
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Serenata
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Posted:Mar 17, 2008 9:42 pm
Last Updated:Mar 22, 2011 8:39 am 3357 Views
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Permita que eu feche os meus olhos, pois é muito longe e tão tarde! Pensei que era apenas demora, e cantando pus-me a esperar-te.
Permite que agora emudeça: que me conforme em ser sozinha. Há uma doce luz no silencio, e a dor é de origem divina.
Permite que eu volte o meu rosto para um céu maior que este mundo, e aprenda a ser dócil no sonho como as estrelas no seu rumo.
CecÃlia Meireles
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Entre ir e ficar
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Posted:Mar 12, 2008 1:39 pm
Last Updated:Mar 16, 2008 1:12 am 3326 Views
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Entre ir e ficar duvida o dia, enamorado de sua transparência. A tarde circular é já baÃa: em seu quieto vaivém se mexe o mundo.
Tudo é visÃvel e tudo é efusivo, tudo está perto e tudo é intocável. Os papéis, o livro, o copo, o lápis repousa à sombra de seus nomes.
Bater do tempo que em minha têmpora repete a mesma teimosa sÃlaba de sangue. A luz faz do muro indiferente um espectral teatro de reflexos.
No centro de um olho me descubro; não me olha, me olho em seu olhar. Dissipa-se o instante. Sem me mover, eu fico e me vou: sou uma pausa.
Octavio Paz (Tradução: Maria Teresa Almeida Pina)
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